Em 2018, a empresa americana Pantone, que é uma referência importante nas artes gráficas, na moda, no design, na publicidade e em outras áreas criativas, apresentou a cor Ultra Violet (designação da Pantone) como a cor do ano.
Segundo a diretora executiva da empresa, Leatrice Eisenman, a cor apresentada evoca a exploração de novas tecnologias e das grandes galáxias, além de suscitar a reflexão espiritual e a dimensão intuitiva. Afirma que o céu noturno, vasto e ilimitado, é seu símbolo. Também atesta ser uma cor relacionada às práticas de expansão da consciência.
Para além dessas possibilidades de sentido é importante refletir acerca da complexidade sígnica da cor, qualquer que seja ela. Há sempre uma dimensão fisiológica da cor, decorrente das relações físicas, corporais e, principalmente, visuais da cor, como comprimento das ondas que tocam a retina – daí decorre a referência cotidiana sobre as cores quentes e frias, por exemplo. Há uma forte dimensão cultural, sempre arbitrária e muito variável, com diferenças importantes entre Ocidente e Oriente, entre regiões, países, comunidades e grupos. Há ainda uma dimensão psicológica da cor, bastante particular, construída a partir das experiências individuais de cada um de nós com cada uma das cores. Assim, é importante entender a potência sígnica da cor na sua complexidade.
A cor púrpura, minha denominação para a cor Ultra Violet, é uma cor secundária, ou seja, é decorrente de uma mistura de duas cores primárias, azul e vermelho, assim, sua complexidade, naturalmente, se amplia, pois incorpora algumas características fisiológicas, culturais e psicológicas de outras duas cores e dela própria. É encontrada em muitas publicações com a referência “violeta” ou mesmo “roxo”. Claro que há aqui importante mobilidade cromática, ou seja, as variações de tonalidade, que não serão objeto de análise neste momento.
Fortemente empregada na heráldica medieval, nas vestimentas régias e cardenais, a cor púrpura vinculava-se à dignidade dos reis e sacerdotes. E a conexão de sentido que sustentou toda essa simbologia é histórica, remontando à Antiguidade. Ainda na época dos Fenícios (aproximadamente 3.000 aC.), povo que habitou as montanhas do que é hoje o Líbano e parte da Síria, ocupando uma faixa ampla voltada ao mediterrâneo, optaram, em decorrência das dificuldades topológicas, pelos trabalhos marítimos, principalmente o comércio e a pesca.
Foram os Fenícios que descobriram uma tintura muito forte, decorrente da putrefação de um molusco (um tipo de lula, chamada múrice, abundante nas praias fenícias) e que tinha alta pregnância em tecidos, ou seja, os tecidos tingidos não desbotavam. Rapidamente, a relação física entre pregnância e permanência favoreceu a construção simbólica da eternidade – daí para a sua valorização por reis e cardeais não foi difícil. Instâncias, instituições e pessoas que pretendiam a eternidade precisavam de vestes e adornos púrpura.
Em decorrência dessa relação de temporalidade alongada, a cor púrpura passou a ser uma cor litúrgica na igreja católica – conectando-se à ideia de preparação para algo. A cor implica em recolhimento, é signo de profunda interiorização, penitência e transformação, por isso, amplamente usada durante a Quaresma, tanto em vestimentas sacerdotais, quanto em adornos dos altares e esculturas santas.
Assim, a cor púrpura vem crescendo ao longo dos anos como signo icônico no caminho da significação da nobreza e da sofisticação (ecos da permanência) e também do preparo, da prontidão, os sentidos engendrados que dão o tom de certa expectativa.
Como a cor do ano de 2018 propõe preparo para a mudança, que seja uma mudança profunda, mas bem alicerçada porque está sendo preparada. E a mudança é urgente. Prenúncio ou desejo, não importa. É uma cor que se reveste das melhores condições para reflexão e esta, certamente, é fundamental para transformações positivas e melhorias. Um banho de púrpura a todos.
Artigo escrito por Clotilde Perez | semioticista, professora da USP e da PUC-SP, e fundadora da Casa Semio.
Fonte: Casa e Jardim
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